Um pouco mais de história

Minha formação acadêmica e profissional é uma parte muito importante da história que venho escrevendo nessa oportunidade que tenho de estar dentro da vida. Ali está o caminho para a descoberta e o desenvolvimento de diferentes saberes e habilidades. No entanto, existe outra parte da história em que estão capítulos essenciais e fundamentais, aqueles que também são a base desse tempo novo que iniciei com a Escola de Ver.

Nas minhas andanças e nessa busca por dar sentido à experiência de existir, tenho percebido cada vez mais que uma das partes mais ricas do meu “currículo”, senão a mais rica, é a própria vida, com esse jogo magnífico de encontros e partidas, relacionamentos, experiências e aprendizados. Por isso, a pessoa que eu tenho sido até hoje tem muito a ver com: a força que recebo todos os dias dos meus antepassados; o amor e o afeto que recebi, e aprendi, dos meus pais, das minhas irmãs e de toda minha família; a riqueza interior dos amigos com os quais compartilhei o trabalho, as alegrias e as tristezas; os conselhos, as repreensões ou a simples presença generosa de todas as pessoas que já cruzaram o meu caminho, especialmente aquelas que estiveram ou estão mais próximas em vários momentos decisivos.

Não fosse tudo isso, há ainda a sabedoria emanada amorosa e gentilmente pelos vários mestres e professores que tenho encontrado (e todos eles sabem o quanto lhes sou grato e como meu coração se alegra por tê-los encontrado nesta vida), sejam eles ligados a alguma tradição religiosa ou apenas companheiros de viagem. Há também nesse meu embornal da alma: o afeto e a amizade de todos os que foram meus alunos, todos os textos que já li do Heidegger, do Saramago, do Guimarães Rosa, do Manoel de Barros e do Gabriel Garcia Marques; os longos e incríveis anos de análise com o Jorge Braga, analista junguiano que tem sido um companheiro e tanto de viagem; a amizade mais do que especial com o Joel Neves… Há também o contato respeitoso e admirado com a natureza, com a qual, desde os dez anos, eu já mantinha uma relação de cuidado e preocupação, muita embora eu esteja longe de ser um ecologista engajado. Isso sem falar nos banhos de cachoeira.

E como não citar o mergulho espiritual e humano que experienciei, ao percorrer por duas vezes, de bicicleta, o Caminho de Santiago de Compostela e uma vez, a pé, o Caminho de São Francisco de Assis? Essas peregrinações aqueceram meu coração e me permitiram ver além, além de mim mesmo e do meu mundo que já estava aparentemente organizado e resolvido. Foi a partir dessas experiências que comecei a dar os passos e a plantar as sementes que me levaram a criar a Escola de Ver. Também foi nesses Caminhos que percebi que há partes do nosso currículo que fazemos um esforço danado para esquecer, mas que sempre serão constituintes do que somos; serão sempre parte de qualquer beleza que podemos julgar existir em nós mesmos.

Entendi que, embora não reluza, o sofrimento é ouro em nossa vida. O dedicado trabalho que fazemos para dar sentido a ele, compreendê-lo e buscar formas de amenizá-lo, seja quando ele nos pertence, seja quando ele pertence aos outros, são os lances cruciais neste nosso tabuleiro chamado vida. Há também a inquietude, que, na maioria das vezes, não consta em nenhum currículo, mesmo sendo visitante frequente do nosso coração. Aquela inquietude que, hoje, bem mais serena, revela para mim, todos os dias, aquilo que só pude perceber e aprender de modo mais profundo na minha formação para ser facilitador do programa Cultivating Emotional Balance: a felicidade genuína só pode nascer daquilo que oferecemos ao mundo e às pessoas, nunca daquilo que retiramos deles.

Exatamente por isso, se olho para história, se contemplo a jornada até à Escola de Ver, ou mesmo o que significa a existência da Escola, e partindo do ponto onde nasce este texto, tenho a sensação que as palavras de Waly Salomão são capazes de sintetizar uma parte razoável do que penso sobre o que viemos fazer aqui: “Nasci sob um teto sossegado, meu sonho era um pequenino sonho meu, na ciência dos cuidados fui treinado, agora, entre o meu ser e o ser alheio, a linha de fronteira se rompeu…” Que todo sejam bem-vindos e acolhidos na Escola de Ver.

Se você gosta de literatura, clique aqui e leia este conto que, sendo um conto, conta um pouquinho mais sobre mim.